terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O homem certo.

Ela era a mais liberada de todas; sentava no bar com um bando de homens e falava com eles como igual. Igual, no caso, significa: como se fosse um homem.
Contava suas aventuras - que eram muitas -, com quem tinha terminado a noite anterior e se por acaso seu príncipe encantado da véspera chegasse, as piadas rolavam soltas, entre gargalhadas. Raramente saía com o mesmo homem dois dias seguidos, o que em plena era da revolução sexual era considerado apenas o máximo. Isso é que era uma mulher liberada. Mas um dia, no bar onde a galera se reunia, surgiu um personagem novo, que era amigo de alguém. Ela contou suas histórias, fez suas gracinhas e todo mundo riu muito. Todo mundo, menos ele.
Não que tivesse se colocado na posição de repressor; simplesmente ouvia, mas sem achar muita graça nem dar corda para que ela fosse mais e mais em frente. Às vezes baixava a cabeça, levantava os olhos e olhava para ela, mas não com desejo; era um olhar perturbador, e ela ficou perturbada.
Eles conversaram pouco, mas ela logo sentiu que aquele número com ele não colava, e nessa noite foi embora mais cedo. Mais cedo e sozinha.
Eles se encontraram outras noites , sempre por acaso, mas nunca ficaram amigos; e apesar de ele olhar para ela com mais frequência e com mais intensidade, ela nunca estimulou a paquera, e nunca mais arrastou um homem para casa na madrugada. Não quando ele estava.
Até que uma noite as pessoas foram indo embora, e quando ela percebeu, estavam só os dois na mesa. Foi-se a desenvoltura, foram-se as barbaridades, foi-se a mulher livre. Ele contou um pouco de sua vida e perguntou da dela, interessado em descobrir a mulher que estava por trás do personagem - coisa que não acontecia havia muito tempo; e ela se sentiu como havia muito tempo não se sentia. Uma pessoa por quem alguém se interessava, não apenas a que chegava aos lugares para alegrar a noite dos outros. Foi tudo tão forte que ele não fez nenhum esforço para ficar com ela essa noite, e ela deu graças a Deus; preferiu ir para casa sozinha para poder pensar, coisa que não fazia havia séculos.
Eles foram se vendo mais, sumindo dos lugares, e ela começou a viver outra vida; afinal, há quanto tempo nenhum homem levava ela a sério, olhava dentro dos seus olhos e sorria, em vez de dar uma risada? Ela foi mudando, mas sem saber direito o que estava acontecendo. Adoraria perguntar se estavam namorando ou tendo um caso, mas isso não é pergunta que se faça.
Mas uma noite estavam num restaurante e entraram uns amigos, aqueles do passado. Sentaram, brincaram, riram, mas não foram além de nenhum limite. E houve uma hora em que ele botou a mão em cima da perna dela. Foi um gesto de posse, como quem diz ''essa mulher tem dono'', o que todo mundo entendeu.
A partir desse dia eles passaram a ser considerados como um casal. Ninguém nunca mais pensou em chamar um sem chamar o outro, e ela mudou. Não que tivesse ficado uma chata - longe disso; ria das barbaridades que diziam, mas nunca mais fez um só comentário sobre sua vida passada ou presente. Nem ela nem ninguém.
Ela ficou mansinha; mansinha, como fica uma mulher que se apaixona pelo homem certo.
E eles foram muito felizes enquanto deu.

Do livro 'As aparências enganam' de Danuza Leão.